segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Unas manos

E agora tenho as artérias cheias de eteceteras”, Bunbury.

Eu a tinha diante dos meus olhos, bela, nua, subjacente. Encantava-me aquele delineado e perfeito corpo de Lolita. Seus olhos, naquela calada noite, estavam por ora cerrados, mas eu podia vê-los luzidios em minhas memórias. Negros como uma noite sem luar. Brilhantes como o mais puro diamante. Eram lindos, e afáveis. Sentia a respiração da moça. Respiração leve, inaudível, vagarosa. Expirava um ar saboroso e quente... Traduzia nele desejos de seu corpo cansado, e, por agora e eternamente modificado.
Contava ela 15 verões, dos quais espreitei os últimos cinco. Como foi generosa a natureza a ela, desde seu nascimento, no final da infância, no inicio da mocidade, na mulherês... Sim, agora era ela uma mulher, sem dúvidas. Não que já não a fosse desde que viera brilhar mais que o Sol, porém agora era-a de carne, de alma. E de amor. Podia qualquer sujeito de calças enamorar-se dela – e, realmente, isso acontecia muito, era verídico – mas nenhum que venha depois de hoje, nunca será tão bem agraciado como fora eu esta noite. Esplendida madrugada fria e sem luar... Dentro dos aposentos: quente, luminosa, viva, voluptuosa... Não parecia nem haver tempo passado, nem tempo em horas, muito menos dia e noite. Ali contou-se o tempo das trocas de palavras doces, ‘quero-te minha, só minha’, de troca de olhares maliciosos, de carícias. Até que, nus, aprontamo-nos ao encanto dos lençóis e rendemo-nos fervorosamente ao pecado original.
Não foi maldade, não, leitor amigo. Sei que ela era donzela. Ela sabia-o também. Mas estava pronta para se entregar ao desejo mor das almas românticas, como mulher nenhuma neste mundo de Deus estivera antes.
Já eu, gatuno velho e muito vivido, tinha 42 anos de experiências. Conhecia bem a vida, o reflexo do espelho, a época das frutas, os bares e cabarés mal e bem frequentados. Saboreava corpos femininos desde minha juventude. Sempre fui solteiro, fanfarrão, não atrelava-me a senhorita alguma. Cheguei a apaixonar-me de algumas, em certas primaveras, porém não eram a mim nada mais que corpos deliciosos, bocas metidas e cabeças vazias. Essa moça, que ao meu lado dormia o sono dos anjos, que até pouco tempo incandescia uma índole infantil e ingênua, é diferente. Sua inteligência é espontânea, sua sagacidade feroz e polida, seu senso esbanjava classe. Tinha ela porte de dama fina e esclarecida, de senhora altiva e dona de si. Entretanto, ao mesmo tempo – e, pedofilamente, confesso que isso foi o que mais juntou minha alma a ela – tinha um riso cândido, um narizinho empinado e uma silhueta de ninfeta tão graciosa e viciante.
Sim, leitor, podes tu agora pensar que exagero, que ela é apenas uma ex-donzela e falo estas sentimentalidades por tê-la me dado sua pureza. Concordo veemente contigo. Mas se tu estivesses aqui, no meu lugar, aposto que não estaria apenas fitando-a, nua sob tez alva e naturalmente cheirosa; sentado aos pés da cama, escrevendo estas baboseiras que outros tantos amantes já escreveram sobre suas amadas. Estarias tu, neste momento, embebido nos lisos cabelos loiros e no suave hálito doce, transcorrendo sus manos por ela... E por amor.
Amo-a, sei disso. Amo-a mais que tudo; mais que amo a vida noturna – com mulheres frias, de sexo livre e experientes (nenhuma delas fez-me tão homem quanto minha pequena), mais que minha clandestina solidão, meus negócios, minha solteirice... Amo-a mais que amo a mim, mais que todas as outras coisas do mundo. Dar-lhe-ia, se necessárias fossem, minhas vísceras. Vê-la contente, a partir da inesquecível empreitada desta madrugada, será meu almejar, leitor. Creia.
E eu tanto queria saber em que ela sonhava, pois tinha os lábios em forma de sorriso. Ela assim deitou-se e repousou da mesma maneira, fazia apenas movimentos graciosos com suas pernas despidas.
Linda.
Lindíssima.
Quero-te eternamente ao meu lado, pois assim penso que queres a mim. E acredito que será – espero, ao menos.
E neste instante, a terminar minhas confissões, ela acorda junto com o Sol. Não tenho certeza de qual ofusca mais meus honrados olhos. Invejai-os, leitor! Deito-me ao lado de minha paixão. Beijo-a ternamente na testa. Respeito seu exílio. Sinto-a me abraçar e desejo-a mais uma vez. Estamos a nos amar, manhosamente.

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