quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Os que impõem limites à beleza
ou não a conhecem, 
ou se envergonham da sua.

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Unas manos

E agora tenho as artérias cheias de eteceteras”, Bunbury.

Eu a tinha diante dos meus olhos, bela, nua, subjacente. Encantava-me aquele delineado e perfeito corpo de Lolita. Seus olhos, naquela calada noite, estavam por ora cerrados, mas eu podia vê-los luzidios em minhas memórias. Negros como uma noite sem luar. Brilhantes como o mais puro diamante. Eram lindos, e afáveis. Sentia a respiração da moça. Respiração leve, inaudível, vagarosa. Expirava um ar saboroso e quente... Traduzia nele desejos de seu corpo cansado, e, por agora e eternamente modificado.
Contava ela 15 verões, dos quais espreitei os últimos cinco. Como foi generosa a natureza a ela, desde seu nascimento, no final da infância, no inicio da mocidade, na mulherês... Sim, agora era ela uma mulher, sem dúvidas. Não que já não a fosse desde que viera brilhar mais que o Sol, porém agora era-a de carne, de alma. E de amor. Podia qualquer sujeito de calças enamorar-se dela – e, realmente, isso acontecia muito, era verídico – mas nenhum que venha depois de hoje, nunca será tão bem agraciado como fora eu esta noite. Esplendida madrugada fria e sem luar... Dentro dos aposentos: quente, luminosa, viva, voluptuosa... Não parecia nem haver tempo passado, nem tempo em horas, muito menos dia e noite. Ali contou-se o tempo das trocas de palavras doces, ‘quero-te minha, só minha’, de troca de olhares maliciosos, de carícias. Até que, nus, aprontamo-nos ao encanto dos lençóis e rendemo-nos fervorosamente ao pecado original.
Não foi maldade, não, leitor amigo. Sei que ela era donzela. Ela sabia-o também. Mas estava pronta para se entregar ao desejo mor das almas românticas, como mulher nenhuma neste mundo de Deus estivera antes.
Já eu, gatuno velho e muito vivido, tinha 42 anos de experiências. Conhecia bem a vida, o reflexo do espelho, a época das frutas, os bares e cabarés mal e bem frequentados. Saboreava corpos femininos desde minha juventude. Sempre fui solteiro, fanfarrão, não atrelava-me a senhorita alguma. Cheguei a apaixonar-me de algumas, em certas primaveras, porém não eram a mim nada mais que corpos deliciosos, bocas metidas e cabeças vazias. Essa moça, que ao meu lado dormia o sono dos anjos, que até pouco tempo incandescia uma índole infantil e ingênua, é diferente. Sua inteligência é espontânea, sua sagacidade feroz e polida, seu senso esbanjava classe. Tinha ela porte de dama fina e esclarecida, de senhora altiva e dona de si. Entretanto, ao mesmo tempo – e, pedofilamente, confesso que isso foi o que mais juntou minha alma a ela – tinha um riso cândido, um narizinho empinado e uma silhueta de ninfeta tão graciosa e viciante.
Sim, leitor, podes tu agora pensar que exagero, que ela é apenas uma ex-donzela e falo estas sentimentalidades por tê-la me dado sua pureza. Concordo veemente contigo. Mas se tu estivesses aqui, no meu lugar, aposto que não estaria apenas fitando-a, nua sob tez alva e naturalmente cheirosa; sentado aos pés da cama, escrevendo estas baboseiras que outros tantos amantes já escreveram sobre suas amadas. Estarias tu, neste momento, embebido nos lisos cabelos loiros e no suave hálito doce, transcorrendo sus manos por ela... E por amor.
Amo-a, sei disso. Amo-a mais que tudo; mais que amo a vida noturna – com mulheres frias, de sexo livre e experientes (nenhuma delas fez-me tão homem quanto minha pequena), mais que minha clandestina solidão, meus negócios, minha solteirice... Amo-a mais que amo a mim, mais que todas as outras coisas do mundo. Dar-lhe-ia, se necessárias fossem, minhas vísceras. Vê-la contente, a partir da inesquecível empreitada desta madrugada, será meu almejar, leitor. Creia.
E eu tanto queria saber em que ela sonhava, pois tinha os lábios em forma de sorriso. Ela assim deitou-se e repousou da mesma maneira, fazia apenas movimentos graciosos com suas pernas despidas.
Linda.
Lindíssima.
Quero-te eternamente ao meu lado, pois assim penso que queres a mim. E acredito que será – espero, ao menos.
E neste instante, a terminar minhas confissões, ela acorda junto com o Sol. Não tenho certeza de qual ofusca mais meus honrados olhos. Invejai-os, leitor! Deito-me ao lado de minha paixão. Beijo-a ternamente na testa. Respeito seu exílio. Sinto-a me abraçar e desejo-a mais uma vez. Estamos a nos amar, manhosamente.

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Néscios também amam

Senhora,

Te amo tanto a não querer-me prisioneiro de ti. E prefiro a vida noturna, as mulheres fáceis e vazias a pôr-me algemas por amar uma única vez.
            Me doíam tuas tristes manias de mocinha de boa conduta, que freavam-me a excitação. Te queria por mulher, mais que por coração; talvez do mesmo tanto, até.
            Te queria à pureza.
            E seduzir-te-ia ao desejo.
            Mas nem ao casto sentimento que rege os astros e suas espontâneas explosões, nem ao teso pecado original, do calor da carne crua, tu quiseste e me deste a chance de viver.
            Foste cruel.
            E não preciso da crueldade pura quando posso pagar pelo fogo postiço dos pequenos lábios alheios.
            Não me veja por carrasco ou viciado em questões de sexo, só ousaria ter-te minha se tu me abrisses as ideias e os trajos.
            Não se acabrunhes agora, sei que traz riso nos lábios e quentes lágrimas de rancoroso arrependimento. Se minto ou me engano, tem-me como convencido e sê capaz de odiar-me.
            Lembra-te das vezes que clamei por ver-te e tu me enchias de lamúrias e dores? Preferias a solidão de tuas noites frias no quarto, a querer ter comigo, algo como aperto de mãos.
            E ainda me maltratavas dizendo teu amor por mim! Que súcia! Por que me enganavas? Sempre te quis por minha e tu me vinhas com juras falsas, dava-me esperança.
            Cansei-me de teu desprezo.
            Larguei toda sociedade rica e a vida noturna, para me dar ao teu amor. Lutaria todos os dias por ele, se, ao menos, tu me concedesses armas à luta. Nem um reles canivete.
            Só me seria suficiente saber que tipo de demônio te move às tuas enganações e a ter teiado meu caminho.
            Te juro não pensar mais em ti ao deitar-me com outras mulheres. Te juro a praga que te rogo a morrer seca e só. E te juro que morreria se esta praga funcionasse...
           
            Não me respondas, senhora, sê livre para te esqueceres de mim. Sê livre para não me sentires a falta. Sei que não a sentirás.
            Esquece-me para sempre.



                                                           O néscio que te amará eternamente.

terça-feira, 22 de outubro de 2013

SERMÃO DO TERRÁQUEO


            Todos nós, terráqueos, somos iguais. Se somos plantas, ou insetos ou lagartos ou pessoas. Somos todos da mesma evolução, desde que a Terra resolveu abrigar nossa era. Na explosão inicial, tudo era poeira, fogo e hidrogênio. O som não se espalhou pelo vácuo, foi um boom silencioso. Tempos e tempos depois, a vida sorriu para o nosso lado e nos brindou com enigmas a importância de sermos nada. Dizer que o universo não seria o mesmo se não houvesse vida, é a parte mais soberba do nosso ego se inflando. Carl Sagan que me perdoe. Porém de ciências astronômicas ou físicas eu não entendo, mas aqui venho expressar meu lado mais egoísta, minha visão sobre a condição humana da curiosidade e uma perspectiva para o estouro interno de sentimentos que nada se confundirão com o dos astros.
           
            Talvez você creia na sua racionalidade como a forma de diferi-lo das outras espécies remanescentes [que ainda sobrevivem no mesmo mundo que nós]. Talvez você, com sua ladainha, venha querer me provar que tem sua opinião, sua decisão e seu poder de discernimento. Pior ainda: você virá me convidar a um festejo, cujo cerne será a vitória do seu poder de subjugar outras formas de vida, como se elas fossem menor que a sua, menor que o seu direito de ser livre e de viver plenamente.
            Na verdade, a forma que pensamos nos nossos poderes é bem diferente da de que podemos tê-lo. Nossa estadia é curta e sempre incorporamos alguma coisa da sociedade. Por que, além de racionais, cremo-nos ‘sociáveis’. Uma das maiores piadas que já me contaram. Sociáveis, nós? Nem conosco mesmo, nem com os outros. Toda a terra tem o desgosto de conviver com nosso egocentrismo.
            Achamo-nos racionais e sociáveis. Mais inteligentes. Nossa inteligência é movida pelo novo. Pela vontade de descobrir. Até nos depararmos com questões que, se respondidas, será o fim da nossa espécie. Entretanto, esta é uma questão menos inata que parece.
            A curiosidade do ser humano depende em que contexto ele está inserido, em que tipo de sociedade, qual foi a educação dada a ele.
Ninguém com uma consciência modesta perceberia que a curiosidade é perigosa para a nossa sobrevivência na Terra. “Que baboseira”, diria esta mesma consciência modesta; “afinal, é a vontade de saber coisas novas que move o mundo”.
Não.
Está aí, mais uma concepção egoísta que nós temos sobre nossa importância. Quando começamos a caçar não foi pela curiosidade de saber qual a sensação de matar um animal, mas sim para nossa sobrevivência. Quando conseguimos produzir fogo, não foi para fazer queimadas, e sim para nossa sobrevivência. Quando inventamos a energia elétrica, não foi para a nossa sobrevivência, foi por uma simples questão de comodidade. Quando inventamos a energia nuclear, indireta ou diretamente, foi para nos sobrepormos a nós mesmos. Pessoas contra pessoas. Fortes contra fracos. Ricos contra pobres.
E qual a consequência de tanto invento, de tanta manifestação do valor humano sobre os demais? será que é por causa destas invenções que nós pensamos ser mais racionais e dignos que os elefantes, por exemplo?
Sim, nós, humanos, temos a ojerizante mania de querer sempre crescer em riquezas e poderes. Mas o que te torna mais forte que seu semelhante? a sua saúde e seu poder de caça, ou o seu conteúdo econômico? A evolução humana findou-se com o surgimento dos primeiros pensadores. Foi quando o ser humano deixou de lado seus instintos animais para demonstrar ao mundo sua concepção de vida correta, plena e feliz.
Os animais nos parecem tristes e depressivos quando a natureza os rege? pois bem, eles vivem da maneira que têm que se viver. E isso não é e nem chega perto de comodidade, mas sim de consciência de seu lugar no mundo. E ainda nos orgulhamos da racionalidade! Não fui eu, nem você, ou ao menos o presidente da ONU que regulamentou como eles devem viver, e sim a evolução das espécies.
Se os seres humanos seguissem mais seus instintos animais que sua racionalidade, não precisaríamos nem de analistas para nos conhecermos.
A curiosidade trouxe a ruína para o planeta. "Do pó viemos, para o pó voltaremos", frase nenhuma exprime melhor nosso passado e futuro. E nesse meio tempo, vivemos crendo que a felicidade existe, que a vida moderna faz sentido e que, mesmo sendo a única espécie que paga para viver aqui, ainda teremos alguma recompensa nesta ou numa próxima vida.


Dizem alguns que o segredo para uma vida longa é comer pouco. Outros ainda tentam me convencer da baboseira que viver bem é gastar seu tempo da mais produtiva maneira. Eu, já concordando com Cândido de Voltaire, penso que "devemos cultivar nosso próprio jardim", sem pensar no que as borboletas possam nos oferecer de sua beleza, ou em que época as abelhas polinizarão ano que vem. Conhecer-se a si próprio, sem esperar nada de fábulas tranquilizadoras que nada mais querem que reger seu discernimento, aquele mesmo que você tanto se orgulha ser de sua propriedade, e ter ciência do teu lugar no universo, proporcionar-te-iam melhores emoções do que a compra de um carro ou o ingresso numa universidade.
O que guia nossas emoções não é nada inventado pela modernidade, veio conosco desde nossos primórdios e cavernoso passado. Um verso, de minha autoria, conta-nos aquilo que poucos querem ouvir: "Essa tal de vida moderna.../ Esse negócio de dívida externa.../ Deixa a evolução tardia e/ Eu só queria voltar para a minha caverna."
A vida moderna não tem sentido! que bem evolutivo você, pensando de maneira crítica, encontra na vida que você vive? é duro acreditar que a modernidade só tem aprimorado o TEU retardamento pessoal, que toda a sapiência que você acha que tem, se esvairá no seu leito de morte, e você ainda vai morrer achando que contribuir para o seu 'belo quadro social' (Ouro de tolo, Raul Seixas) foi a melhor coisa que você fez.

Olhar a sua volta é fácil, viver conforme a sociedade positivista melhor quer que você se desenvolva, também; agora tente si escutar aos sentimentos próprios que vem com você desde que éramos poeira de estrelas.
                                               (Terráquea Quintiliano)

14.10.2013