domingo, 23 de novembro de 2014

SOFRER

Se eu sofro
Não quero sofrer, sorrindo.

Eu quero minguar na vasta minguante
Eu quero despedaçar as peças do nada
Eu quero me encontrar na procura
E viver de olho no sofrimento da loucura

Por que, quando eu sofro
Eu quero sofrer de verdade
Eu quero ser eu sofrendo
Sem fingir o sofrimento, sorrindo

E quanto mais eu sorrio
Mais eu sofro por dentro
Mais a angústia de mim faz parte
Mais eu me perco em um labirinto
De sorrisos chorosos

Deixem-me sofrer, piedosos!
Façam-me seus melhores olhares de pena
É disso que me alimento

Não me digam gracejos
Não me façam cócegas
Não me contem piadas
Não me desejem sorte

Eu quero meu direito de sofrer
De sofrer, de sofrer
De sofrer chorando
De sofrer me maldizendo
De sofrer me apedrejando!

Se você nunca sofreu
Não venha me convencer
Da sua humanidade risível

Me deixem no canto das desilusões
Da surdez imunda.
Me deixem sofrer, sofrendo.



sexta-feira, 30 de maio de 2014

O QUE É A FELICIDADE?


                Despertei. Não porque queria despertar, na verdade. O sol nem me acompanhava; ainda dormia, o danado. Mas eu estava lá, de olhos abertos. Ouvidos abertos. Ouvido. Era o despertador. Tinin! Tinin! Tinin! E ainda chamam os humanos de inteligentes... acordar assim, não dá! Antes na boca de leões.
                Mas não tinha leão no meu quarto. Havia uma boca, a minha, que bocejou tão graciosamente quanto um elefante tomando água. Já viram? É um horror.
                Cinco e meia. Deveria estar no trabalho às sete. Trabalho duro. Contas e tal. Duro. E nem podia dormir nele.
                Pensei cinco longas vezes antes de pôr minhas rotundas mãos fora do edredom.
                Duro. Tinin! Tinin! Tinin!
                Desliguei o despertador. O silêncio baforava um aroma de paz no meio do meu rosto e me enchia inteiro de um sono agudo. Eu tinha que me levantar, comer pão, fazer a barba, porém meu corpo não obedecia essa parte do meu gênio.

                Continuei deitado. Agora na posição do Cristo Redentor. A melhor de todas. Mais cinco minutinhos não vão matar ninguém.

terça-feira, 13 de maio de 2014

ESTRANGEIRO DO MUNDO REAL V: DESCONHECER É VIVER

"a caixa"

                Lá venho eu com minhas reticencias... acho que não sei para que elas realmente servem, por isso me encho delas e de suas vertentes linguísticas. Pensando bem, desconheço tanto que se alguém vier me indagar qual o sentido da vida – ou alguma coisa mais aritmética-, rebaterei a dúvida com outra: para que serve o sentido? – ou, no outro caso: quatro menos dois é igual à?
                Perguntas bobas, perguntas irrisórias. Têm certas respostas que nós não devemos saber, apenas. É simples. Então, qual propósito de dúvidas inúteis? Onde vamos almoçar hoje não importa quando estamos com fome. Entretanto, minha maior ira vai contra aqueles que enganam a fome.
                Tão cheios, plenos e garbosos. É irônica a maneira que expressam todas as suas verdades. Eu, que mal falo, e quando preciso, fico na encolha a espera que me adivinhem os sabichões. Enfim, eu me desinteresso pelas pessoas que sabem. Aliás, não gosto delas, em verdade. Não digo sobre as que sabem das ciências, mesmo porque, quem me lê, entende minha dissonância contra os cientistas humanos.
                Digo dos que se entendem e assim, logo, se sentem no poder de entenderem os demais. Me incomodam os psicólogos e os enxeridos, ambos curiosos por meus fartos dissimulando até uma certa preocupação. O primeiro ainda me cobra por isso, o danado. Se vocês não vivessem em tamanha monotonia mental, eu me renderia em ser um enxerido profissional.
                Ah, já ia me esquecendo da característica mais imprescindível dos sábios de plantão. Se você quer ser um deles, anote aí: a caixa. Sim, caixa. Não qualquer caixa, mas um especialmente modelada por eles e suas ideologias. Outra oportunidade, eu falarei sobre ideologias. Hoje não, me canso de pensar.
                Para que serve a caixa que o sabichão sempre carrega com ele? Ora, não é tão difícil assim... Para colocar você dentro dela. E quem mais couber. E não adianta discutir, o valhacouto se tornará o único caminho a seguir, sempre que você coxear perto dele. A partir daí, moldar fica fácil.

                Já vi muitos desses pela vida, até mesmo no mundo dos loucos. No entanto, ao menos era divertido. Confesso que já fui um deles. Porém, felizmente, só quando fui louco, que eu sabia. Hoje, eu não sei mais.

domingo, 2 de fevereiro de 2014

A PRIMEIRA PAIXÃO

                 Talvez, eu devesse mijar na cara dela para que ela olhasse para mim, nem que fosse só pra me matar. Mas, mijando, ela conferiria bem mais coisas minhas. Acho que ela não ia querer me matar, desse jeito. Sei lá, algo me impedia de fazer isto. Minha bexiga estava sossegada naquele momento e eu tinha que chamar a atenção dela, de qualquer maneira.
                Ela estava entre amigas, no pátio da escola, comendo não sei lá o que vermelho. Acho que era um tomate. Só que é meio incomum alguém comer tomate na escola. Mas ela era especial, e não qualquer patricinha burra e loira, dessas que tem aos montes por aí. Ela era morena. Pele dourada.
                Maçã? Podia ser uma maçã.
                Não importa. Quis ir lá pedir um pedaço. Talvez, mais pela curiosidade de saber o que era mesmo. Não, vou me conter.
                “Já sei”, eu já não sabia de nada, “vou fingir que conheço uma das amigas dela, depois eu disfarço e digo que foi um engano”. Eu pensava que, assim, conseguiria adentrar um pouco naquela conversa. Engano meu, pois não tive coragem nem de pensar novamente numa insanidade dessas. Não movi um fio do meu cabelo.
                Uma daquelas meninas que estava com a mais linda de todas, a qual não sei o nome, estudava com a minha irmã, e elas tinham brigado há algum tempo antes disso, não sei porquê. Nem queria saber. Mas já era um assunto!
                Minha face coçava nos bigodes, feito em homens de coragem quando estão pensando num plano maquiavélico perfeito para roubar a grana de um banqueiro qualquer. Acho que tenho visto filmes demais, pois era só uma pelagenzinha fina que estava nascendo e que me incomodava naquele momento.
                Faltavam cinco minutos para o intervalo acabar, e eu já estava me desesperando. Como é que uma paixão de quinze minutos pode deixar a gente tão aflito, meu Deus? Responda!
                Elas saíram do lugar e começaram a andar. Ah, mas ela desfilava! Já tinha terminado de comer e eu não pude ver nada vermelho na passarela com ela.
                Elas estavam chegando perto de mim. Podia jurar que estavam vindo em minha direção. Ela, na frente. Altiva. Biscate. Agora, eu já não juraria mais nada, ela estava mesmo vindo ao meu encontro.
                Será que, ao invés de pensar, eu estava falando em voz alta e berrante, ela escutou tudo e teve pena de mim? Será que ela percebeu que não tirei os olhos dela durante os últimos 18 minutos e veio me falar o que estava comendo? Será que...
                - Sua braguilha está aberta.
                Riu. Risada tímida. Piscou. Biscate.
                - Ah, obrigado por avisar.
                “Só a cabecinha está de fora e ela veio conferir de perto meu membro.”
                - Hei, espera!
                Olhei para conferir. Estranhei. A minha braguilha não estava nenhum pouco aberta. Aliás, nem braguilha tinha na minha calça de moletom! No chão, um papelzinho branco, com um número de telefone, um beijo de batom vermelho e a seguinte mensagem: “Deixa eu colocar a cabecinha pra dentro?”.
                Vadia.


sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

ESTRANGEIRO DO MUNDO REAL IV: SOBRE OS OUTROS, SOB MIM.

 Olha, até que eu tentei ser como todo mundo gosta de ser, mas eu achei esta tarefa de humilhar-me aos alheios pesada demais para meu malfadado ego.
Acho que estou um pouco mais soberbo e muito mais burro que da véspera destas palavras. Isso me envergonha. Só que acho difícil eu deixar de me concentrar nas minhas inutilidades, desprezando por completo a utilidade e esperteza de todo o resto do planeta; planeta estranho.
Azul, predominante. Branco. Marrom; verde, às vezes. Planeta colorido. Para que tanta cor? Só se vê o preto no branco e isso já lhes parece de bom tamanho mesmo! Entretanto, fico eu no meu grado aquarelado. Talvez feliz; talvez esquecido.
Eu posso explicar o porquê do "mais soberbo e muito mais burro". (Eu precisava por aspas em mim?). Pensam que sou diferente. É, diferente! Não sei por que tanta baboseira... Também vejo a todos assim e nem por isso esfrego minhas satisfações nas suas fuças. Eles não precisam saber o que penso. Aliás, eu não sei o que penso. Mas eles precisam mostrar para o restante que são verdadeiros filósofos e só isso importa. Já falei sobre pensamentos antes, eu acho. Este é o motivo da minha soberba: pareço ser especial àqueles que eu, geralmente, ignoraria, se não fosse por vivermos no mesmo planeta. Chega de planetas! Já sei que somos de mundos distintos...
E muito mais burro pelo mesmo motivo: eu sou especial. Estas coisas me emburrecem! Mas, fique tranquilo, já vou logo tratar de esquecer-me disso. Acho que não preciso de mais inutilidades que já tenho na cabeça. Aliás (eu adoro o poder desta palavra), as pessoas são bastante inúteis. Mesmo aquelas que são espertas.
Espero nunca entender a pressa, o 'não' e o inimigo. Espero nunca conhecer desgostos, relações e minhas obrigações. Espero, também, nunca ter filhos, trabalho e amante.
Isso tudo pode parecer simples e mesquinho da minha parte; mas, convenhamos: ficam tão triste quando compilados em uma única forma de vida esperta! Sim, ainda se denominam assim. E é por isso que estou cada vez mais burrinho. Tadinho de mim!

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

A CARTA

Meu amor, te escrevo das alegrias do inferno onde fui jogado pela tua paixão. Te escrevo, não por que queiras saber de mim, da solidão de um desgraçado, mas para te causar compaixão nesse peito sólido.
Puta minha, pense antes de agir, fale o que sente, e berre ao mundo, que eu fui teu, sem ser além do que um deus permita, mas eterno. Numa eternidade só nossa. Diga, te imploro, que te causei euforia, que te tirei do conforto, e me deixe descansar na paz das lembranças que levo do teu corpo.
Um corpo maldito, pois amor é construído de guerras, doenças, e más fés. Mas, sempre se lembre, com teus olhos abertos: fui teu, e me danei nos teus suores, mereço agora que me dê a paz dos que jamais voltam após as batalhas. Peço que minta em tuas orações, que dissimule teus risos de amor, e que tenha sonhos incansáveis com o néscio que agora te escreve, como a puta velha que é. E esse puto velho sempre se lembrará das vibrações que a tua gruta molhada dizia ao chorar: te amo! E minhas reminiscências se completarão ao vislumbre de teus seios empapados de graça, suor e saliva, de tuas mãos pálidas com dedos metidos, e de teu olhar cheio de uma maldade harmoniosa.
Lembro o quanto me comia com teus olhos que imploravam outros olhares, e fui falho e imbecil ao não entender o quanto desejavas uma simples palavra.
Um sim, e não um não.
Eu te neguei a vida que você queria. Eu te neguei a existência que você merecia. Mas, por favor, nunca te neguei meu amor. Tua cruel vingança me arrebata numa atroz agonia de que os segundos passados foram os últimos momentos ao teu lado. Hoje, um rato que espera o navio afundar, sinto o cheiro do teu suor, e o perfume da tua lembrança, e nada mais me resta.
Talvez a vida me traga ventos favoráveis que me digam e confirmem, que a ela se prolonga num caminho eterno além do que conhecemos, e ao fim você estará lá, de braços aberto, ansiando pelo teu macho. Mas, não! Ela me prega peças indecifráveis, cuja chave está sempre colada em você. Te peço, senhora de mim, que me dê forças pra continuar só com tuas boas lembranças. Do contrário, vaguearei, como o pior dos moribundos que esta terra se envergonhou de criar: o covarde.
Agora, o vento me verga em abraços ao meu corpo que nem mais enxergo, nem sinto. Pálida lembrança que nem espelhos resgatam...
Quem sou eu,quem foi você? Fui Sol? Fostes Lua?
Busca-me, persiga-me pelos sentidos, e sinta-me pelos gritos.
Estou aqui, e você deverá me buscar.
Venha...
Venha, venha sim, para que contemplemos nosso eclipse! Venha, quero te dedicar meu mais fúnebre pesar de minha vida inteira longe dos teus sonhos. E, se assim, você não vier, eu vou até você, sem que perceba, acariciar teus pés, beijar tua vulva e matar teu coração.
Você virá, de qualquer maneira.


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Produzida em conjunto com a brilhante mente de um amigo sexagenário: José Américo.

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

NÃO GOSTO DE PENSAR NELA

Talvez eu pensasse em escrever a ela uma carta. Um bilhete. Com flores. Qualquer coisa que pudesse mostrar amor, mais que só palavras.

Talvez eu pensasse em mandar a ela somente flores. Mas quais? Não sei, entendo pouco de flores. Rosas são vermelhas e violetas são azuis. Mas e as amarelas, as roxas? Por que as flores têm nomes diferentes às suas cores? Tá aí uma questão que só perguntando pra Deus mesmo pra saber a resposta. O problema não são flores, nem cores, nem Deus. É a indecisão.

Talvez eu devesse dar a ela chocolates. Ela ia gostar bastante. Ia comer tudo sem me dar um bombom. Não, os chocolates eu vou comprar pra mim. Meio amargo. Com castanhas.

Castanhas! Acho que vou presenteá-la com castanholas. Ela sempre gostou destas coisas exóticas. Arriba! Ela ia ficar bem sensual tocando castanholas e vestindo um longo vermelho. Algo me diz que ela não sabe tocar castanholas.

Por que tão complicada?

Talvez - mas este 'talvez' é mais provável - eu pensasse realmente mais nela que em tudo que há. Mas acho que isso não é tão relevante, até porque, não vai me dar nenhuma solução.

Vou para de matutar neste presente, então. Ele é insolúvel. Continuarei sonhando com o futuro.