quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

NÃO GOSTO DE PENSAR NELA

Talvez eu pensasse em escrever a ela uma carta. Um bilhete. Com flores. Qualquer coisa que pudesse mostrar amor, mais que só palavras.

Talvez eu pensasse em mandar a ela somente flores. Mas quais? Não sei, entendo pouco de flores. Rosas são vermelhas e violetas são azuis. Mas e as amarelas, as roxas? Por que as flores têm nomes diferentes às suas cores? Tá aí uma questão que só perguntando pra Deus mesmo pra saber a resposta. O problema não são flores, nem cores, nem Deus. É a indecisão.

Talvez eu devesse dar a ela chocolates. Ela ia gostar bastante. Ia comer tudo sem me dar um bombom. Não, os chocolates eu vou comprar pra mim. Meio amargo. Com castanhas.

Castanhas! Acho que vou presenteá-la com castanholas. Ela sempre gostou destas coisas exóticas. Arriba! Ela ia ficar bem sensual tocando castanholas e vestindo um longo vermelho. Algo me diz que ela não sabe tocar castanholas.

Por que tão complicada?

Talvez - mas este 'talvez' é mais provável - eu pensasse realmente mais nela que em tudo que há. Mas acho que isso não é tão relevante, até porque, não vai me dar nenhuma solução.

Vou para de matutar neste presente, então. Ele é insolúvel. Continuarei sonhando com o futuro.

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

COMO MATAR II

- ESPERO ESTAR bem cumprindo tuas ordens, senhor!
- Pois eu já não espero nada mais que tua obrigação.
- Sou-lhe muito grato pelo que tenho e pelo que me dá.
- Errado, pulha! Eu gasto vinte vezes mais que tudo o que você já ganhou na tua vida, em uma semana, e sempre estou querendo mais! Deixe de ter esse pensamento medíocre de gratidão. Ele não te levará a nada.
- Parece que está tentando me jogar contra o senhor mesmo!
- E estou. Olha, miserável, – apontando-lhe o indicador nas fuças – atire em mim. Pegue este estilingue de cuspes, que você ousa em chamar de arma, e atire em mim. No meu rosto.
- Mas... Não posso.
- Atire, desgraçado! Estou lhe dando uma chance.
                O pobre diacho pensou duas longas vezes antes de pôr suas trêmulas mãos na arma. Suava frio. Sabia que se matasse Dom Emiliano morreria pelas mãos de seus capangas; entretanto, se ele não o matasse, morreria do mesmo jeito, pelas mãos dos mesmos fantoches. Era um tiro e uma queda. Estava na escolha de Villares, quem cairia primeiro.
- Esta é a hora em que morro, senhor?
- Esta é a hora em que aprende que não há espaço para traíras e pena neste mundo, Villa. –disse, calmamente - Há muito deveria ter entendido isto.
- Isso foi um sim?
- Chega de perguntas, filho duma puta! Honre esse saco que você tem. Ou tinha.
                Dom Emiliano, grande esgrimista e um dos maiores atiradores de Sísbora, e de toda a margem do gigantesco Rio Fortuna, em cheio, enterrou uma bala entre as pernas do rapaz, que, de súbito e com um gemido de dor, caiu, se contorcendo.
- Arrrrr! Que... Que te fiz, seu desgraçado?
- Ah, até que enfim, a pergunta certa! Pena que é tarde demais, já está aí, todo fodido. Além de traidor, você é burro, sabia? – abaixou-se, junto ao rosto do ferido. E agora, frutinha. Hahaha! Você é a pessoa mais incompetente que já trabalhou pra mim. Não sei de que esgoto te tiraram, seu merda, nem como eu pude aceita-lo aqui...
- Na verdade, suponho que o senhor saiba sim.
- Cala a porcaria dessa boca. – atirou na perna de Villa. Sim, eu sei; matei-a hoje, pela manhã.
- Não... Arrrr...
- Aquela puta me enganou direitinho. Disse-me que era tua irmã, e me pediu para colocá-lo no bando. Cai feito patinho.
- Não a chame assim. Eu a amava. – disse, conseguindo ficar sobre os cotovelos.
- Ela se deitava com todo o bando, seu corno! Fiz-lhe foi um favor à tua honra, matando a ela e a você.
- Eu sempre soube que ela era uma vadia. O corno, aqui, não sou eu. Arrrr...
                O chefe, efervescido de raiva, deu um chute de bico na cara do coitado sem bolas, afundando-lhe os dentes e o nariz.
- Corno, mas vivo.
                Mansamente, o corno vivo ia acendendo um charuto e saindo da sala, esquecendo-se da mais importante regra de sua organização: nunca dê as costas ao inimigo, mesmo que este esteja morto. Um tiro certeiro, transpassou-lhe a nuca. Morreu antes; morreu perdedor.

                Tanto sangue jorrado, por causa de um par de peitos, naquela sala escura. Um divã, uma mesa de centro, quatro prateleiras de livros, e dois cadáveres, agora, enfeitavam-na da maneira mais macabra possível.

               

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

DIANTE DA DÚVIDA, UM SIM

                 O pequeno tinha uma dúvida. Na verdade, várias delas. Essas, tornavam o garoto um tanto estranho e isolado. Ninguém queria estar com um menino que sempre tinha perguntas irrespondíveis. Esse menino sabia que não se aspira por respostas.
                Os anos, que passam, não lhe davam respostas. Nem claras nem obscuras. Nenhuma. Definição. Luz. Nada. Ele cria estar perdido, talvez, para sempre, em tantas interrogações, que se aninhavam num montante rijo, sem canto flexível.
                E assim, mesmo sofrendo por sua peculiaridade, conseguiu ser adulto e ter família. Aquele menino que queria saber o mundo, cresceu e deixou as dúvidas de lado para proletarizar e sobreviver.

                Até que, num dia qualquer, já bem velhinho, aquele que emburreceu nas certezas de seu cotidiano, evocou a sua infância. As perguntas sem respostas. E na hora do baque final, da senda para o outro lado, ele se lembrou de um dia ter brincando de amarelinha, que pulava de casa em casa, e quando chegava no obstáculo, ignorava-o e continuava rumo ao céu. Morreu sem saber as respostas; sorrindo.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

ESTRANGEIRO DO MUNDO REAL III

Parado, fitava a lua, sobre os telhados das casas. A luz deixava tudo claro, e eu gostava do escuro da noite. Entretanto, não me decepcionei, não. É até cômico tentar fugir de algo que nunca sumirá de ti. Cômico não é bem a palavra, mas não estou com imaginação para palavra mais encaixável.
Os telhados. Eles eram diferentes uns dos outros, sabe? Eu nunca tinha reparado nisso. Por certo, eu nunca reparei nas coisas que não vejo. O que é errado. Só situar o telhado por cima de nós, que não o olhamos direito. Busquei mudar ‘my point of view’, como dizem os ingleses. Não, eu não falo inglês. Não fluentemente. Não morro de fome. Give me something to eat, please!
Por que será que falei de fome? Acho que não como há dias, mas não tenho fome. Fico só com vontade de pensar e de olhar para a lua. Acho que sou ‘luívoro’. Eu e minhas bobagens. O manicômio não me ensinou nada mesmo. Só a pensar. Eu não sabia pensar (e, em geral, as pessoas não o sabem), agora eu sei.
Juro que antes eu pensava na Filosofia, na Ciência, na Política. Baboseiras! Hoje eu penso nos sentidos, nos sonhos, nas mulheres e na lua. Essa lua cheia de solidão. Pronta para chorar suas mágoas nos ombros de qualquer poeta fajuto, por aí.
Estou deprimido. Não muito. Acho que as ruas estão mais. São o nosso caminho, mas não o nosso holofote. E é brincando cá com meus botões lunáticos, que vejo que nada é mais triste que a rua, rua vazia. Nenhuma mulher de saia. Não sei, mas ela está bem taciturna.
Volto a olhar para a lua, por cima das telhas. Ela pisca para mim. Já sei que é minha amiga. O sentimento de ser só, num vácuo cheio de nada, é mútuo.
[...]

sábado, 9 de novembro de 2013

COMO MATAR COM FRASES CURTAS


               Mesmo antes de abrir os olhos, eu via um vulto claro, em meio a mais claridade ainda. Era manhã, seis, o sol já apontava. O vulto branco era ela. De camisola. Parecia um anjo. Se eu não a odiasse tanto, diria que era.
                Mas ela, ao menos, sentia algo bom por mim. Por isso a camisola. Por isso a alvorada. Eu a odiava. Não importava o motivo. Ela me fez romper a vida, o amor-próprio e as contas. E estes são pretextos suficientes para se detestar alguém.
                Ficou nua.
                Não. Eu não ia me deitar com aquela mísera novamente. Mas ela estava nua. E me queria. Eu sou homem, não podia resistir. Empurrei-a para trás. Ao relar em seus braços nus, brancos e macios, não senti nada; não existia mais tesão nem desejo por ela.
                Eu broxei.
                Foi uma vitória. Eu, contra quem acabou com minha vitalidade. Fechei os olhos. Ela ia saindo do quarto. Abri-os, de novo. Rebolava, maliciosamente, aquele bumbum arrebitado e peladinho.

                Um instante de desonra. Eu sou homem. Odiei-a por trás, feito égua. Ela caiu. Levantou-se nunca mais. Vinguei-me.

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

INSÓLITO COTIDIANO: ESTRANGEIRO DO MUNDO REAL II

Sou forte. Sempre me menti isso. Às vezes, me dizia tão bem que até chegava a acreditar, sabe? Na boa, eu sou é um fracote. Um fracote rebelde. A rebeldia me deixa insone, até! Mas ela me dá uma sensação boa de dever cumprido. Mais uma enganação para as contas de mentiras da minha vida.
                Se eu falar que minha vida toda foi baseada em enganos, além de estar plagiando Veríssimo, estaria mentindo. Porém, mais mentiras sossegadoras para a falaciosa intenção de ser que tenho, seria uma ironia.
                E de ironias eu entendo um bocado.
                Além de minha rebeldia carbonariana, a minha mania de querer ser o que não sou, o artista arteiro e maconheiro que demonstro bem ser, é de mentira; ele não existe. As crônicas que escrevo e as poesias que recito nem minhas são, totalmente.
                Mas, então, o que é meu? O que sou eu? Tá aí a pergunta que rege a minha existência. Quase uma Teoria do Caos, sem equação, sem resposta; nem mesmo sei se ela existe!
                Caos, assim passarei a me chamar agora. Só eu me chamando, claro. Não vou sair por aí me apresentando assim. As pessoas comuns e normais, que acham que se entendem, se conhecem e são livres, achariam, também, esse meu nome estranho. Caos? Um rapaz tão bonito com um apelido destes!, poderiam dizer.
                Eu era bonito; aliás, sou. Talvez seja este o motivo de eu ainda estar vagueando, mesmo que a esmo e a erro. Ser bonito também é um erro. Eu não quero ser apenas o belo que se vê. Se as pessoas sentissem mais e olhassem menos, estaríamos perto de uma revolução que apaziguaria nervos. Que construiria pessoas verdadeiras.
                E por falar em verdade, vou lhes apresentar minhas contas: 43; aos 20 me casei; aos 30 em divorciei; aos 32 fui parar num manicômio; aos 41 saí de lá; desde então, enlouqueço cada vez mais. A contagem do tempo não faz sentido. Contamos experiências girando em torno de uma estrela! Não sei como acontece em outros mundos, mas aqui é esta bobagem.
(...)


sábado, 2 de novembro de 2013

eu pretendo coisas maiores
que um emprego mediano, 
um marido medíocre e 
uma existência comum

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Os que impõem limites à beleza
ou não a conhecem, 
ou se envergonham da sua.

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Unas manos

E agora tenho as artérias cheias de eteceteras”, Bunbury.

Eu a tinha diante dos meus olhos, bela, nua, subjacente. Encantava-me aquele delineado e perfeito corpo de Lolita. Seus olhos, naquela calada noite, estavam por ora cerrados, mas eu podia vê-los luzidios em minhas memórias. Negros como uma noite sem luar. Brilhantes como o mais puro diamante. Eram lindos, e afáveis. Sentia a respiração da moça. Respiração leve, inaudível, vagarosa. Expirava um ar saboroso e quente... Traduzia nele desejos de seu corpo cansado, e, por agora e eternamente modificado.
Contava ela 15 verões, dos quais espreitei os últimos cinco. Como foi generosa a natureza a ela, desde seu nascimento, no final da infância, no inicio da mocidade, na mulherês... Sim, agora era ela uma mulher, sem dúvidas. Não que já não a fosse desde que viera brilhar mais que o Sol, porém agora era-a de carne, de alma. E de amor. Podia qualquer sujeito de calças enamorar-se dela – e, realmente, isso acontecia muito, era verídico – mas nenhum que venha depois de hoje, nunca será tão bem agraciado como fora eu esta noite. Esplendida madrugada fria e sem luar... Dentro dos aposentos: quente, luminosa, viva, voluptuosa... Não parecia nem haver tempo passado, nem tempo em horas, muito menos dia e noite. Ali contou-se o tempo das trocas de palavras doces, ‘quero-te minha, só minha’, de troca de olhares maliciosos, de carícias. Até que, nus, aprontamo-nos ao encanto dos lençóis e rendemo-nos fervorosamente ao pecado original.
Não foi maldade, não, leitor amigo. Sei que ela era donzela. Ela sabia-o também. Mas estava pronta para se entregar ao desejo mor das almas românticas, como mulher nenhuma neste mundo de Deus estivera antes.
Já eu, gatuno velho e muito vivido, tinha 42 anos de experiências. Conhecia bem a vida, o reflexo do espelho, a época das frutas, os bares e cabarés mal e bem frequentados. Saboreava corpos femininos desde minha juventude. Sempre fui solteiro, fanfarrão, não atrelava-me a senhorita alguma. Cheguei a apaixonar-me de algumas, em certas primaveras, porém não eram a mim nada mais que corpos deliciosos, bocas metidas e cabeças vazias. Essa moça, que ao meu lado dormia o sono dos anjos, que até pouco tempo incandescia uma índole infantil e ingênua, é diferente. Sua inteligência é espontânea, sua sagacidade feroz e polida, seu senso esbanjava classe. Tinha ela porte de dama fina e esclarecida, de senhora altiva e dona de si. Entretanto, ao mesmo tempo – e, pedofilamente, confesso que isso foi o que mais juntou minha alma a ela – tinha um riso cândido, um narizinho empinado e uma silhueta de ninfeta tão graciosa e viciante.
Sim, leitor, podes tu agora pensar que exagero, que ela é apenas uma ex-donzela e falo estas sentimentalidades por tê-la me dado sua pureza. Concordo veemente contigo. Mas se tu estivesses aqui, no meu lugar, aposto que não estaria apenas fitando-a, nua sob tez alva e naturalmente cheirosa; sentado aos pés da cama, escrevendo estas baboseiras que outros tantos amantes já escreveram sobre suas amadas. Estarias tu, neste momento, embebido nos lisos cabelos loiros e no suave hálito doce, transcorrendo sus manos por ela... E por amor.
Amo-a, sei disso. Amo-a mais que tudo; mais que amo a vida noturna – com mulheres frias, de sexo livre e experientes (nenhuma delas fez-me tão homem quanto minha pequena), mais que minha clandestina solidão, meus negócios, minha solteirice... Amo-a mais que amo a mim, mais que todas as outras coisas do mundo. Dar-lhe-ia, se necessárias fossem, minhas vísceras. Vê-la contente, a partir da inesquecível empreitada desta madrugada, será meu almejar, leitor. Creia.
E eu tanto queria saber em que ela sonhava, pois tinha os lábios em forma de sorriso. Ela assim deitou-se e repousou da mesma maneira, fazia apenas movimentos graciosos com suas pernas despidas.
Linda.
Lindíssima.
Quero-te eternamente ao meu lado, pois assim penso que queres a mim. E acredito que será – espero, ao menos.
E neste instante, a terminar minhas confissões, ela acorda junto com o Sol. Não tenho certeza de qual ofusca mais meus honrados olhos. Invejai-os, leitor! Deito-me ao lado de minha paixão. Beijo-a ternamente na testa. Respeito seu exílio. Sinto-a me abraçar e desejo-a mais uma vez. Estamos a nos amar, manhosamente.

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Néscios também amam

Senhora,

Te amo tanto a não querer-me prisioneiro de ti. E prefiro a vida noturna, as mulheres fáceis e vazias a pôr-me algemas por amar uma única vez.
            Me doíam tuas tristes manias de mocinha de boa conduta, que freavam-me a excitação. Te queria por mulher, mais que por coração; talvez do mesmo tanto, até.
            Te queria à pureza.
            E seduzir-te-ia ao desejo.
            Mas nem ao casto sentimento que rege os astros e suas espontâneas explosões, nem ao teso pecado original, do calor da carne crua, tu quiseste e me deste a chance de viver.
            Foste cruel.
            E não preciso da crueldade pura quando posso pagar pelo fogo postiço dos pequenos lábios alheios.
            Não me veja por carrasco ou viciado em questões de sexo, só ousaria ter-te minha se tu me abrisses as ideias e os trajos.
            Não se acabrunhes agora, sei que traz riso nos lábios e quentes lágrimas de rancoroso arrependimento. Se minto ou me engano, tem-me como convencido e sê capaz de odiar-me.
            Lembra-te das vezes que clamei por ver-te e tu me enchias de lamúrias e dores? Preferias a solidão de tuas noites frias no quarto, a querer ter comigo, algo como aperto de mãos.
            E ainda me maltratavas dizendo teu amor por mim! Que súcia! Por que me enganavas? Sempre te quis por minha e tu me vinhas com juras falsas, dava-me esperança.
            Cansei-me de teu desprezo.
            Larguei toda sociedade rica e a vida noturna, para me dar ao teu amor. Lutaria todos os dias por ele, se, ao menos, tu me concedesses armas à luta. Nem um reles canivete.
            Só me seria suficiente saber que tipo de demônio te move às tuas enganações e a ter teiado meu caminho.
            Te juro não pensar mais em ti ao deitar-me com outras mulheres. Te juro a praga que te rogo a morrer seca e só. E te juro que morreria se esta praga funcionasse...
           
            Não me respondas, senhora, sê livre para te esqueceres de mim. Sê livre para não me sentires a falta. Sei que não a sentirás.
            Esquece-me para sempre.



                                                           O néscio que te amará eternamente.

terça-feira, 22 de outubro de 2013

SERMÃO DO TERRÁQUEO


            Todos nós, terráqueos, somos iguais. Se somos plantas, ou insetos ou lagartos ou pessoas. Somos todos da mesma evolução, desde que a Terra resolveu abrigar nossa era. Na explosão inicial, tudo era poeira, fogo e hidrogênio. O som não se espalhou pelo vácuo, foi um boom silencioso. Tempos e tempos depois, a vida sorriu para o nosso lado e nos brindou com enigmas a importância de sermos nada. Dizer que o universo não seria o mesmo se não houvesse vida, é a parte mais soberba do nosso ego se inflando. Carl Sagan que me perdoe. Porém de ciências astronômicas ou físicas eu não entendo, mas aqui venho expressar meu lado mais egoísta, minha visão sobre a condição humana da curiosidade e uma perspectiva para o estouro interno de sentimentos que nada se confundirão com o dos astros.
           
            Talvez você creia na sua racionalidade como a forma de diferi-lo das outras espécies remanescentes [que ainda sobrevivem no mesmo mundo que nós]. Talvez você, com sua ladainha, venha querer me provar que tem sua opinião, sua decisão e seu poder de discernimento. Pior ainda: você virá me convidar a um festejo, cujo cerne será a vitória do seu poder de subjugar outras formas de vida, como se elas fossem menor que a sua, menor que o seu direito de ser livre e de viver plenamente.
            Na verdade, a forma que pensamos nos nossos poderes é bem diferente da de que podemos tê-lo. Nossa estadia é curta e sempre incorporamos alguma coisa da sociedade. Por que, além de racionais, cremo-nos ‘sociáveis’. Uma das maiores piadas que já me contaram. Sociáveis, nós? Nem conosco mesmo, nem com os outros. Toda a terra tem o desgosto de conviver com nosso egocentrismo.
            Achamo-nos racionais e sociáveis. Mais inteligentes. Nossa inteligência é movida pelo novo. Pela vontade de descobrir. Até nos depararmos com questões que, se respondidas, será o fim da nossa espécie. Entretanto, esta é uma questão menos inata que parece.
            A curiosidade do ser humano depende em que contexto ele está inserido, em que tipo de sociedade, qual foi a educação dada a ele.
Ninguém com uma consciência modesta perceberia que a curiosidade é perigosa para a nossa sobrevivência na Terra. “Que baboseira”, diria esta mesma consciência modesta; “afinal, é a vontade de saber coisas novas que move o mundo”.
Não.
Está aí, mais uma concepção egoísta que nós temos sobre nossa importância. Quando começamos a caçar não foi pela curiosidade de saber qual a sensação de matar um animal, mas sim para nossa sobrevivência. Quando conseguimos produzir fogo, não foi para fazer queimadas, e sim para nossa sobrevivência. Quando inventamos a energia elétrica, não foi para a nossa sobrevivência, foi por uma simples questão de comodidade. Quando inventamos a energia nuclear, indireta ou diretamente, foi para nos sobrepormos a nós mesmos. Pessoas contra pessoas. Fortes contra fracos. Ricos contra pobres.
E qual a consequência de tanto invento, de tanta manifestação do valor humano sobre os demais? será que é por causa destas invenções que nós pensamos ser mais racionais e dignos que os elefantes, por exemplo?
Sim, nós, humanos, temos a ojerizante mania de querer sempre crescer em riquezas e poderes. Mas o que te torna mais forte que seu semelhante? a sua saúde e seu poder de caça, ou o seu conteúdo econômico? A evolução humana findou-se com o surgimento dos primeiros pensadores. Foi quando o ser humano deixou de lado seus instintos animais para demonstrar ao mundo sua concepção de vida correta, plena e feliz.
Os animais nos parecem tristes e depressivos quando a natureza os rege? pois bem, eles vivem da maneira que têm que se viver. E isso não é e nem chega perto de comodidade, mas sim de consciência de seu lugar no mundo. E ainda nos orgulhamos da racionalidade! Não fui eu, nem você, ou ao menos o presidente da ONU que regulamentou como eles devem viver, e sim a evolução das espécies.
Se os seres humanos seguissem mais seus instintos animais que sua racionalidade, não precisaríamos nem de analistas para nos conhecermos.
A curiosidade trouxe a ruína para o planeta. "Do pó viemos, para o pó voltaremos", frase nenhuma exprime melhor nosso passado e futuro. E nesse meio tempo, vivemos crendo que a felicidade existe, que a vida moderna faz sentido e que, mesmo sendo a única espécie que paga para viver aqui, ainda teremos alguma recompensa nesta ou numa próxima vida.


Dizem alguns que o segredo para uma vida longa é comer pouco. Outros ainda tentam me convencer da baboseira que viver bem é gastar seu tempo da mais produtiva maneira. Eu, já concordando com Cândido de Voltaire, penso que "devemos cultivar nosso próprio jardim", sem pensar no que as borboletas possam nos oferecer de sua beleza, ou em que época as abelhas polinizarão ano que vem. Conhecer-se a si próprio, sem esperar nada de fábulas tranquilizadoras que nada mais querem que reger seu discernimento, aquele mesmo que você tanto se orgulha ser de sua propriedade, e ter ciência do teu lugar no universo, proporcionar-te-iam melhores emoções do que a compra de um carro ou o ingresso numa universidade.
O que guia nossas emoções não é nada inventado pela modernidade, veio conosco desde nossos primórdios e cavernoso passado. Um verso, de minha autoria, conta-nos aquilo que poucos querem ouvir: "Essa tal de vida moderna.../ Esse negócio de dívida externa.../ Deixa a evolução tardia e/ Eu só queria voltar para a minha caverna."
A vida moderna não tem sentido! que bem evolutivo você, pensando de maneira crítica, encontra na vida que você vive? é duro acreditar que a modernidade só tem aprimorado o TEU retardamento pessoal, que toda a sapiência que você acha que tem, se esvairá no seu leito de morte, e você ainda vai morrer achando que contribuir para o seu 'belo quadro social' (Ouro de tolo, Raul Seixas) foi a melhor coisa que você fez.

Olhar a sua volta é fácil, viver conforme a sociedade positivista melhor quer que você se desenvolva, também; agora tente si escutar aos sentimentos próprios que vem com você desde que éramos poeira de estrelas.
                                               (Terráquea Quintiliano)

14.10.2013