sexta-feira, 29 de novembro de 2013

DIANTE DA DÚVIDA, UM SIM

                 O pequeno tinha uma dúvida. Na verdade, várias delas. Essas, tornavam o garoto um tanto estranho e isolado. Ninguém queria estar com um menino que sempre tinha perguntas irrespondíveis. Esse menino sabia que não se aspira por respostas.
                Os anos, que passam, não lhe davam respostas. Nem claras nem obscuras. Nenhuma. Definição. Luz. Nada. Ele cria estar perdido, talvez, para sempre, em tantas interrogações, que se aninhavam num montante rijo, sem canto flexível.
                E assim, mesmo sofrendo por sua peculiaridade, conseguiu ser adulto e ter família. Aquele menino que queria saber o mundo, cresceu e deixou as dúvidas de lado para proletarizar e sobreviver.

                Até que, num dia qualquer, já bem velhinho, aquele que emburreceu nas certezas de seu cotidiano, evocou a sua infância. As perguntas sem respostas. E na hora do baque final, da senda para o outro lado, ele se lembrou de um dia ter brincando de amarelinha, que pulava de casa em casa, e quando chegava no obstáculo, ignorava-o e continuava rumo ao céu. Morreu sem saber as respostas; sorrindo.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

ESTRANGEIRO DO MUNDO REAL III

Parado, fitava a lua, sobre os telhados das casas. A luz deixava tudo claro, e eu gostava do escuro da noite. Entretanto, não me decepcionei, não. É até cômico tentar fugir de algo que nunca sumirá de ti. Cômico não é bem a palavra, mas não estou com imaginação para palavra mais encaixável.
Os telhados. Eles eram diferentes uns dos outros, sabe? Eu nunca tinha reparado nisso. Por certo, eu nunca reparei nas coisas que não vejo. O que é errado. Só situar o telhado por cima de nós, que não o olhamos direito. Busquei mudar ‘my point of view’, como dizem os ingleses. Não, eu não falo inglês. Não fluentemente. Não morro de fome. Give me something to eat, please!
Por que será que falei de fome? Acho que não como há dias, mas não tenho fome. Fico só com vontade de pensar e de olhar para a lua. Acho que sou ‘luívoro’. Eu e minhas bobagens. O manicômio não me ensinou nada mesmo. Só a pensar. Eu não sabia pensar (e, em geral, as pessoas não o sabem), agora eu sei.
Juro que antes eu pensava na Filosofia, na Ciência, na Política. Baboseiras! Hoje eu penso nos sentidos, nos sonhos, nas mulheres e na lua. Essa lua cheia de solidão. Pronta para chorar suas mágoas nos ombros de qualquer poeta fajuto, por aí.
Estou deprimido. Não muito. Acho que as ruas estão mais. São o nosso caminho, mas não o nosso holofote. E é brincando cá com meus botões lunáticos, que vejo que nada é mais triste que a rua, rua vazia. Nenhuma mulher de saia. Não sei, mas ela está bem taciturna.
Volto a olhar para a lua, por cima das telhas. Ela pisca para mim. Já sei que é minha amiga. O sentimento de ser só, num vácuo cheio de nada, é mútuo.
[...]

sábado, 9 de novembro de 2013

COMO MATAR COM FRASES CURTAS


               Mesmo antes de abrir os olhos, eu via um vulto claro, em meio a mais claridade ainda. Era manhã, seis, o sol já apontava. O vulto branco era ela. De camisola. Parecia um anjo. Se eu não a odiasse tanto, diria que era.
                Mas ela, ao menos, sentia algo bom por mim. Por isso a camisola. Por isso a alvorada. Eu a odiava. Não importava o motivo. Ela me fez romper a vida, o amor-próprio e as contas. E estes são pretextos suficientes para se detestar alguém.
                Ficou nua.
                Não. Eu não ia me deitar com aquela mísera novamente. Mas ela estava nua. E me queria. Eu sou homem, não podia resistir. Empurrei-a para trás. Ao relar em seus braços nus, brancos e macios, não senti nada; não existia mais tesão nem desejo por ela.
                Eu broxei.
                Foi uma vitória. Eu, contra quem acabou com minha vitalidade. Fechei os olhos. Ela ia saindo do quarto. Abri-os, de novo. Rebolava, maliciosamente, aquele bumbum arrebitado e peladinho.

                Um instante de desonra. Eu sou homem. Odiei-a por trás, feito égua. Ela caiu. Levantou-se nunca mais. Vinguei-me.

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

INSÓLITO COTIDIANO: ESTRANGEIRO DO MUNDO REAL II

Sou forte. Sempre me menti isso. Às vezes, me dizia tão bem que até chegava a acreditar, sabe? Na boa, eu sou é um fracote. Um fracote rebelde. A rebeldia me deixa insone, até! Mas ela me dá uma sensação boa de dever cumprido. Mais uma enganação para as contas de mentiras da minha vida.
                Se eu falar que minha vida toda foi baseada em enganos, além de estar plagiando Veríssimo, estaria mentindo. Porém, mais mentiras sossegadoras para a falaciosa intenção de ser que tenho, seria uma ironia.
                E de ironias eu entendo um bocado.
                Além de minha rebeldia carbonariana, a minha mania de querer ser o que não sou, o artista arteiro e maconheiro que demonstro bem ser, é de mentira; ele não existe. As crônicas que escrevo e as poesias que recito nem minhas são, totalmente.
                Mas, então, o que é meu? O que sou eu? Tá aí a pergunta que rege a minha existência. Quase uma Teoria do Caos, sem equação, sem resposta; nem mesmo sei se ela existe!
                Caos, assim passarei a me chamar agora. Só eu me chamando, claro. Não vou sair por aí me apresentando assim. As pessoas comuns e normais, que acham que se entendem, se conhecem e são livres, achariam, também, esse meu nome estranho. Caos? Um rapaz tão bonito com um apelido destes!, poderiam dizer.
                Eu era bonito; aliás, sou. Talvez seja este o motivo de eu ainda estar vagueando, mesmo que a esmo e a erro. Ser bonito também é um erro. Eu não quero ser apenas o belo que se vê. Se as pessoas sentissem mais e olhassem menos, estaríamos perto de uma revolução que apaziguaria nervos. Que construiria pessoas verdadeiras.
                E por falar em verdade, vou lhes apresentar minhas contas: 43; aos 20 me casei; aos 30 em divorciei; aos 32 fui parar num manicômio; aos 41 saí de lá; desde então, enlouqueço cada vez mais. A contagem do tempo não faz sentido. Contamos experiências girando em torno de uma estrela! Não sei como acontece em outros mundos, mas aqui é esta bobagem.
(...)


sábado, 2 de novembro de 2013

eu pretendo coisas maiores
que um emprego mediano, 
um marido medíocre e 
uma existência comum