sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

ESTRANGEIRO DO MUNDO REAL IV: SOBRE OS OUTROS, SOB MIM.

 Olha, até que eu tentei ser como todo mundo gosta de ser, mas eu achei esta tarefa de humilhar-me aos alheios pesada demais para meu malfadado ego.
Acho que estou um pouco mais soberbo e muito mais burro que da véspera destas palavras. Isso me envergonha. Só que acho difícil eu deixar de me concentrar nas minhas inutilidades, desprezando por completo a utilidade e esperteza de todo o resto do planeta; planeta estranho.
Azul, predominante. Branco. Marrom; verde, às vezes. Planeta colorido. Para que tanta cor? Só se vê o preto no branco e isso já lhes parece de bom tamanho mesmo! Entretanto, fico eu no meu grado aquarelado. Talvez feliz; talvez esquecido.
Eu posso explicar o porquê do "mais soberbo e muito mais burro". (Eu precisava por aspas em mim?). Pensam que sou diferente. É, diferente! Não sei por que tanta baboseira... Também vejo a todos assim e nem por isso esfrego minhas satisfações nas suas fuças. Eles não precisam saber o que penso. Aliás, eu não sei o que penso. Mas eles precisam mostrar para o restante que são verdadeiros filósofos e só isso importa. Já falei sobre pensamentos antes, eu acho. Este é o motivo da minha soberba: pareço ser especial àqueles que eu, geralmente, ignoraria, se não fosse por vivermos no mesmo planeta. Chega de planetas! Já sei que somos de mundos distintos...
E muito mais burro pelo mesmo motivo: eu sou especial. Estas coisas me emburrecem! Mas, fique tranquilo, já vou logo tratar de esquecer-me disso. Acho que não preciso de mais inutilidades que já tenho na cabeça. Aliás (eu adoro o poder desta palavra), as pessoas são bastante inúteis. Mesmo aquelas que são espertas.
Espero nunca entender a pressa, o 'não' e o inimigo. Espero nunca conhecer desgostos, relações e minhas obrigações. Espero, também, nunca ter filhos, trabalho e amante.
Isso tudo pode parecer simples e mesquinho da minha parte; mas, convenhamos: ficam tão triste quando compilados em uma única forma de vida esperta! Sim, ainda se denominam assim. E é por isso que estou cada vez mais burrinho. Tadinho de mim!

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

A CARTA

Meu amor, te escrevo das alegrias do inferno onde fui jogado pela tua paixão. Te escrevo, não por que queiras saber de mim, da solidão de um desgraçado, mas para te causar compaixão nesse peito sólido.
Puta minha, pense antes de agir, fale o que sente, e berre ao mundo, que eu fui teu, sem ser além do que um deus permita, mas eterno. Numa eternidade só nossa. Diga, te imploro, que te causei euforia, que te tirei do conforto, e me deixe descansar na paz das lembranças que levo do teu corpo.
Um corpo maldito, pois amor é construído de guerras, doenças, e más fés. Mas, sempre se lembre, com teus olhos abertos: fui teu, e me danei nos teus suores, mereço agora que me dê a paz dos que jamais voltam após as batalhas. Peço que minta em tuas orações, que dissimule teus risos de amor, e que tenha sonhos incansáveis com o néscio que agora te escreve, como a puta velha que é. E esse puto velho sempre se lembrará das vibrações que a tua gruta molhada dizia ao chorar: te amo! E minhas reminiscências se completarão ao vislumbre de teus seios empapados de graça, suor e saliva, de tuas mãos pálidas com dedos metidos, e de teu olhar cheio de uma maldade harmoniosa.
Lembro o quanto me comia com teus olhos que imploravam outros olhares, e fui falho e imbecil ao não entender o quanto desejavas uma simples palavra.
Um sim, e não um não.
Eu te neguei a vida que você queria. Eu te neguei a existência que você merecia. Mas, por favor, nunca te neguei meu amor. Tua cruel vingança me arrebata numa atroz agonia de que os segundos passados foram os últimos momentos ao teu lado. Hoje, um rato que espera o navio afundar, sinto o cheiro do teu suor, e o perfume da tua lembrança, e nada mais me resta.
Talvez a vida me traga ventos favoráveis que me digam e confirmem, que a ela se prolonga num caminho eterno além do que conhecemos, e ao fim você estará lá, de braços aberto, ansiando pelo teu macho. Mas, não! Ela me prega peças indecifráveis, cuja chave está sempre colada em você. Te peço, senhora de mim, que me dê forças pra continuar só com tuas boas lembranças. Do contrário, vaguearei, como o pior dos moribundos que esta terra se envergonhou de criar: o covarde.
Agora, o vento me verga em abraços ao meu corpo que nem mais enxergo, nem sinto. Pálida lembrança que nem espelhos resgatam...
Quem sou eu,quem foi você? Fui Sol? Fostes Lua?
Busca-me, persiga-me pelos sentidos, e sinta-me pelos gritos.
Estou aqui, e você deverá me buscar.
Venha...
Venha, venha sim, para que contemplemos nosso eclipse! Venha, quero te dedicar meu mais fúnebre pesar de minha vida inteira longe dos teus sonhos. E, se assim, você não vier, eu vou até você, sem que perceba, acariciar teus pés, beijar tua vulva e matar teu coração.
Você virá, de qualquer maneira.


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Produzida em conjunto com a brilhante mente de um amigo sexagenário: José Américo.